Por: O Globo
Saem os espelhos no teto, as camas redondas, o canal que transmite programação erótica.... Entram camas tradicionais, TVs de plasma e mesas e cadeiras para os hóspedes saborearem o café da manhã juntos no mesmo ambiente. Pode parecer um surto moralista, mas é só negócio. A demanda reprimida por hospedagem no Rio de Janeiro por parte das empresas, turistas e grandes eventos acelerou um fenômeno: motéis tradicionais da Barra da Tijuca, Centro, Jacarepaguá , Tijuca, Zona Sul e Ilha do Governador estão se reinventando mudando a decoração para receber esse novo público.
— A cidade conta com cerca de 180 motéis. Destes, pelo menos 60 terão toda ou a maior parte de sua infraestrutura convertida para hospedagem. A previsão é termos pelo menos 5 mil leitos convertidos até os Jogos Olímpicos de 2016 num investimento de R$ 200 milhões. A demanda por quartos existe tanto que a média de ocupação dos hotéis do Rio hoje bate os 80% — diz o vice-presidente da área de motéis da Associação Brasileira da Indústria Hotereira (ABIH) e do Sindicato dos Hotéis, Bares e Restaurantes (Sind-Rio), Antônio de Oliveira Cerqueira.
Por conta das mudanças, parte desses motéis pode até ser incluída na lista oficial de hospedagem das Olimpíadas de 2016. Empresários do setor discutem com a Empresa Olímpica Municipal (EOM) e a Secretaria municipal de Urbanismo a expansão dos benefícios fiscais (como isenções temporárias de IPTU e redução de ISS) concedidos pelo Pacote Olímpico apenas para novos hotéis como incentivo financeiro para as conversões. Em troca dos benefícios, os empresários se comprometem a ceder 90% dos leitos para a organização em tarifas previamente negociadas com o Comitê Organizador Rio 2016.
A prefeitura ainda não deu uma resposta. A Empresa Olímpica informou apenas que o tema ainda está em discussão. A questão envolve a interpretação de itens da legislação. No pacote fiscal, fala-se na concessão de incentivos para novos empreendimentos e mesmo assim em áreas pré-determinadas da Barra, Zona Sul, Ilha do Governador e Deodoro. Outro problema é que legalmente esses empreendimentos no papel, já são hotéis mas com uma decoração que estimula a rotatividade de usuários. Motéis, pela legislação em vigor são construções de dois pavimentos (garagem e quarto) permitidos apenas em rodovias.
Os empresários, no entanto, garantem que farão as obras independentemente da resposta, por instinto de sobrevivência. Afinal, quem não se adaptar corre o risco de fechar as portas. Exemplos não faltam. Ironicamente, um dos estabelecimentos no Estácio que não sobreviveu abriga hoje as instalações da Empresa Olímpica Municípal que analisa a demanda dos empresários além da Secretaria municipal de Conservação. Informalmente, o antigo prédio do Motel Halley tem até apelido: Gigolão.
— Tem a questão econômica e também da mudança do comportamento da sociedade. Não estamos na década de 70 quando casais de qualquer estado civil procuravam motéis de forma mais intensa para um programa mais romântico. Hoje, se não namoram em casa, buscam alternativas fora da cidade para relaxar como pousadas na Região Serrana e em Penedo — diz o proprietário do Motel Serramar (Barra da Tijuca), Secundino Lema Suarez.
Os empresários também apostam na mudança de rumo porque mesmo com a decoração tradicional para lá de indiscreta muitos deles já funcionaram como hotéis em eventos como os Jogos Pan-Americanos de 2007, a Conferência Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) e até mesmo para hospedar executivos em busca de tarifas mais atraentes do que a oferecida pelos hotéis da Zona Sul.
O Serramar é um exemplo de motel que recebeu hóspedes durante os eventos já realizados. Secundino Suarez contou que está investindo R$ 7 milhões para converter integralmente o Serramar na Estrada do Itanhangá em hotel, até 2014. Nesse processo, o número de leitos passará de 70 para 108 com a transformação garagens em novos quartos. Hoje, ele já conta com 50 quartos destinados a hospedagem tradicional por conta de uma reforma iniciada há mais de um ano. A diária, com café da manhã, sai por R$ 350.
Os 20 quartos ainda usados por clientes que procuram motéis ficam em um bloco independente, que será demolido ainda este ano. O espaço será aproveitado para ampliar a oferta de serviços para os hóspedes como uma piscina coletiva e instalações de apoio.
O empresário é sócio de mais dois motéis na Barra. Um deles é o Skorpios, na Estrada da Barra da Tijuca que pode ter o mesmo destino do Serramar por estar numa área central do bairro. Outro motel, que fica numa via secundária, por enquanto continuará no estilo tradicional.
No Estácio, o Motel Galante também passa por um período de transição. Dos 119 quartos, 60% já foram remodelados para receber os hóspedes mais tradicionais. Para evitar constrangimentos, o hotel conta com duas entradas. Quem prefere curtir algumas horas de prazer entra pela Rua Barão de Ubá. Os hospedes que aceitam pagar a diária de R$ 180 por casal com café da manhã usam o acesso da Rua Joaquim Palhares.
— Começamos as obras há um ano. A tendência, porém, é mantermos alguns quartos no formato antigo. Além disso, abrimos um restaurante para atender aos hóspedes da parte hoteleira e no futuro ele também atenderá ao público em geral — disse o dono, Paulo Casanova.
Para fazer frente ao novo negócio, o investimento não se limitou a trocar a mobília. Mas também orientar os funcionários devido a diferença de perfil dos hóspedes.
— Há diferenças no atendimento. O recepcionista e o camareiro de motel estão acostumados a ser discretos e até evitam conversar muito com os clientes. Em um hotel eu preciso justamente de um colaborador diferente que receba com entusiasmo os hóspedes — observou Casanova.
O empresário é sócio de um outro empreendimento do gênero, na Glória. Mas devido a elevada demanda de empresas naquele caso a mudança promovida foi total e já terminou . Remodelado há quase um ano, o antigo motel Ebony mudou até de nome para esquecer o passado. Rebatizado de Diamond, cobra diárias de R$ 230, em média.
Já a Zona Portuária é o endereço de outro empreendimento que está se despedindo dos velhos tempos. As obras do Porto Maravilha valorizaram os terrenos no entorno e serviram de incentivo para o antigo Motel Vila Régia, na Rua Sacadura Cabral, que já conta com 60 quartos reformados. Alguns apartamentos, porém ainda adotam o modelo antigo.
— Hoje, nossos principais clientes são tripulantes de navios e executivos de empresas. Cobramos R$ 330 de diária com café da manhã. Nossa ocupação tem ficado em cerca de 80% — contou a gerente do empreendimento, Vera Cerqueira.
Na Tijuca, um dos sócios do Motel Te Adoro, Luiz Felippe Mendonça, ainda está fechando o orçamento para iniciar as adaptações. Ele reclama da indefinição sobre os incentivos fiscais mas acrescentou que precisa se adaptar aos novos tempos. O número de leitos que será convertido ainda está indefinido. De uma coisa, porém, ele tem certeza: tão cedo ele não pretende converter outro motel seu, que fica no Cachambi.
— A tradição de motéis em bairros de menos poder aquisitivo vai ser mantida. É um programa que quase todo mundo curte, como ir ao pagode — brincou.
Investimento estimado de R$ 2,8 bi
O mercado hoteleiro do Rio também está aquecido quando se trata dos empreendimentos mais tradicionais. Segundo balanço do Comitê de Acomodações da prefeitura para os Jogos Olímpicos de 2016 , se todos os 101 projetos de construção de hotéis, pousadas e albergues já aprovados ou em análise na Secretaria municipal de Urbanismo saírem do papel, a cidade ganhará pelo menos 14.671 quartos nos próximos anos. O balanço toma como base os projetos já apresentados à Secretaria municipal de Urbanismo até o início do mês passado.
Segundo a Agência Rio Negócios, as novas acomodações representarão um investimento de R$ 2,8 bilhões. A estimativa é que gerem 11,14 mil empregos diretos e 34 mil empregos indiretos. Esses empreendimentos são beneficiados pelos incentivos fiscais do Pacote Olímpico. Os empresários, porém, tem que se comprometer a concluir as obras até dezembro de 2015.
No cálculo não estão incluídos outros 17 projetos de hotéis com 4.119 quartos cujos investidores manifestaram interesse em aderir ao Pacote Olímpico mas ainda não oficializaram os projetos.
Os incentivos parecem de fato ter estimulado o setor. Entre 1991 e 2010, a média de novos empreendimentos licenciados pela Secretaria municipal de Urbanismo era de 1,8 licença por ano. Para ter direito ao benefício fiscal, os investidores devem aprovar seus projetos até 31 de dezembro de 2013. Entre os 101 projetos, 84 são de hotéis (14.377 quartos), quatro são de pousadas (79) e 13 de albergues (2015). Em vários bairros, as obras já começaram. A Rede Hyatt, por exemplo, entrou no mercado carioca com o projeto de um resort com 436 quartos na entrada da Praia da Reserva, na Barra da Tijuca. A rede Windsor também planeja um anexo para o seu hotel da Avenida Sernambetiba. Em um terreno do centro de convenções do Riocentro, a Rede Mercure é parceira do Grupo GL Events na construção de um hotel com 312 quartos que servirá como hospedagem oficial da Fifa para a Copa do Mundo de 2014.
Hoje, a cidade conta com 32.089 quartos, resultado da soma 20,2 mil quartos de hotéis com vagas em motéis, pousadas e albergues. O compromisso fechado com o Comitê Olímpico Internacional (COI) é que em 2016 serão oferecidos 40 mil quartos em hotéis a partir de três estrelas e em vilas destinadas aos atletas, imprensa e árbitros. Mesmo com o aumento da oferta de vagas, os planos de hospedar até 10 mil pessoas da “família olímpica’’ em navios permanece já que nem toda a rede atende aos requisitos do COL.