quinta-feira, 17 de novembro de 2011

“O Rio está se passando a limpo”

Presidente da Empresa Olímpica Municipal, Maria Silvia Bastos Marques fala dos desafios, expectativas e satisfação de ocupar a gerência do trabalho de mudanças no Rio para 2016 e do legado que os Jogos vão deixar para a cidade


De cidadeolimpica.com

Superar obstáculos administrativos, coordenar trabalhos que, por vezes, passam por diversas secretarias municipais, fazer os cariocas se engajarem na construção de uma nova cidade e, enfim, pôr de pé o sonho olímpico dos Jogos do Rio 2016. Não são poucas nem fáceis as atribuições da economista Maria Silvia Bastos Marques como presidente da Empresa Olímpica Municipal, cargo que ocupa desde o início de agosto de 2011 e, segundo a própria, já lhe tira o sono.
Em meio a organogramas, reuniões e a organização no novo endereço da Empresa Olímpica – em um prédio de poucos andares, aos pés do recém-pacificado morro de São Carlos, no Estácio –, a executiva falou sobre os desafios e expectativas de seu cargo.
– O dia só tem 24 horas – lamentava, bem-humorada, ‘a prefeita das Olimpíadas’, apelido dado pelo prefeito Eduardo Paes, que ela conheceu à época de sua primeira passagem pela administração municipal, na década de 1990 (ela como secretária de Fazenda, ele como subprefeito da Barra).
Com passagem pela presidência da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Maria Silvia Bastos presidia uma grande seguradora quando aceitou o convite para ficar à frente da Empresa Olímpica Municipal.
 Quando o prefeito me ligou com a questão do projeto olímpico, fiquei um pouco assustada. Mas depois voltei pra casa, pensei… Acho que as Olimpíadas são uma oportunidade única para a cidade do Rio de Janeiro. Então, aceitei e aqui estou – afirma ela, que tem se desdobrado para dar conta da quantidade de informações e visitado as principais obras em execução na cidade.
‘Legado’ talvez seja a síntese da entrevista concedida por Maria Silvia Bastos. E é com base neste legado que a executiva enumera com facilidade projetos como o Porto Maravilha, que está revitalizando uma área até então degradada da cidade; o Morar Carioca, de reurbanização de favelas até 2020; e o BRT (Bus Rapid Transit), construção de quatro novos corredores viários na cidade.
– Estamos mais preocupados até com o dia seguinte. Como é que a cidade vai estar no dia seguinte? Que cidade o Rio se tornará? Se vai ter melhores serviços, se teremos uma população que terá outro entendimento das questões da cidade – pensa adiante.

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Poucos meses depois de assumir a presidência da Empresa Olímpica Municipal (EOM), a senhora já conseguiu dar conta das reais responsabilidades dessa função?

MARIA SILVIA BASTOS – Já estou sem dormir (risos). Já deu, sim. A Empresa Olímpica foi, de fato, criada em setembro e ainda está sendo estruturada. Isso quer dizer que nós tivemos um trabalho inicial grande, de desenhar organograma, de discutir as funções e até de discutir qual o papel dessa empresa; entender o que essa empresa deveria fazer e o que não deveria fazer. Mas o seu principal papel é o trabalho de coordenação das atividades, dos projetos, no sentido mais amplo possível, um trabalho de integração e alinhamento de informações. Nós tivemos uma reunião do Conselho Executivo, que a Empresa Olímpica coordena, e que reúne os secretários que estão envolvidos nos grandes projetos de infraestrutura para as Olimpíadas. Então, tivemos aqui as secretarias de Habitação, Meio Ambiente, Transporte, Obras e Urbanismo numa discussão muito interessante, cada um trazendo a atualização dos projetos que estão sobre as suas responsabilidades, uma troca de ideias que é crucial e fundamental e que precisa acontecer. Lembrando que a Prefeitura tem seu dia a dia, que não pode deixar de lado, e até por isso precisa de uma coordenação específica para as Olimpíadas.

Quando assumiu o convite para tocar a Empresa Olímpica Municipal, qual foi a primeira coisa que pensou?

MSB – Eu tenho muita proximidade com o prefeito, nós já tínhamos trabalhado juntos, tivemos muita interação, nos conhecemos bastante, sempre mantivemos contato durante esse tempo. Embora eu estivesse na iniciativa privada, nunca me afastei dos projetos relacionados ao Rio de Janeiro, sempre estive conectada. Ele sempre brincava comigo, que nós tínhamos que trabalhar juntos novamente. Então, quando ele me ligou com a questão do projeto olímpico, no início eu fiquei um pouco assustada. Mas depois voltei pra casa, pensei… Eu gosto muito da função pública e gosto muito da cidade. Eu tenho o título de cidadã honorária do Rio de Janeiro que me foi dado, por coincidência ou não, pelo então vereador Eduardo Paes. O quadro está até aqui na minha sala, eu sempre coloco em todos os escritórios que vou, tenho muito orgulho desse título. Minha explicação é bem simples: eu digo que aceitei por ‘egoísmo’, para trabalhar por mim e por meus filhos. Para ter uma cidade melhor. Acho que as Olimpíadas são uma oportunidade única para a cidade do Rio de Janeiro. Desde que a gente deixou de ser capital do país, que houve a fusão, acho que o Rio de Janeiro perdeu um pouco o seu caminho. Faltava um grande divisor de água, alguma coisa para que a cidade pudesse se mobilizar, que a gente pudesse virar uma página e começar uma página nova, se transformar. Então, as Olimpíadas, para mim, representam essa grande oportunidade de ter um projeto de mudança da cidade. É muito mais do que fazer Jogos Olímpicos. Então, eu aceitei e aqui estou.

A senhora acha que isso já está refletindo na autoestima do carioca?

MSB – Eu acho que o carioca se mobiliza muito, por muita coisa. O Rio é uma cidade complexa, tem questões administrativas bem mais complicadas do que grandes cidades, como São Paulo, por exemplo, pelo nosso passado de capital. Um exemplo muito simples é a área do Porto. Ali você tem, urbanisticamente falando, terrenos municipais, estaduais, federais; é toda uma complicação administrativa. Então, eu acho que as Olimpíadas nos trazem uma oportunidade de arrumar a casa de uma maneira que o carioca perceba que vai ter uma vida melhor. Acho que as questões vão ser mais bem endereçadas. Não sei se já chegou à população, acho que ainda não. É um trabalho importante que nós temos que fazer, que não é só para fora, é para dentro também, fazer com que todos entendam que essa é uma grande oportunidade. Nós não estamos falando só sobre 17 dias em que a atenção do mundo se volta para gente, que vai ter aqui um monte de turista e pronto. Não, nós estamos mais preocupados até com o dia seguinte. Como é que a cidade vai estar no dia seguinte? Que cidade o Rio se tornou? Se vai ter melhores serviços, se teremos uma população que terá outro entendimento das questões da cidade, um outro tipo de motivação e engajamento. A população tem que se sentir parte desse projeto. Esse não pode ser um projeto da Prefeitura nem do prefeito. Tem que ser um projeto da cidade. Acho que nós estamos começando.
Fã e praticante de esportes, a executiva destaca a importância de projetos como o ensino de inglês na educação básica, além da reurbanização do Porto e do Morar Carioca e a revolução do transporte com o BRT

No dia da posse, a senhora comentou uma manchete de jornal no dia seguinte às Olimpíadas de Sydney. Como a senhora imagina que os cariocas (e brasileiros de um modo geral) vão lidar com as Olimpíadas do Rio?

MSB – A visão que a gente tem das Olimpíadas, e isso é um pouco do que nós queremos construir com a população, é que a cidade está sendo toda reformada. É como se fosse a casa da gente e nós estivéssemos fazendo uma grande reforma. E a gente gostaria que essa casa nova recebesse muito bem os seus convidados. E que, a partir daí, nós tivéssemos mais condições de abrir nossa casa ainda mais, receber mais visitantes, trazer mais investimentos. Importante a gente ressaltar que hoje, no mundo, o que mais emprega é a indústria de turismo, muito mais do que qualquer indústria chamada pesada. Nossa cidade tem essa vocação. Então, a gente está arrumando a casa, e o carioca, que já é um povo muito hospitaleiro, precisa se engajar nesse processo. Quando eu mencionei Sydney, eu vi a manchete de um jornal local que dizia assim: “Vocês podem parar de sorrir. Eles se foram”. A cidade inteira era um cartão de boas vindas. Todo mundo sorridente, todo mundo engajado, todo mundo solícito. Eu diversas vezes fui abordada por pessoas oferecendo ajuda, não precisava pedir. As pessoas achavam que você estava com ar de turista perdido, já vinham com mapa, uma ajuda qualquer. É muito bonito isso, e é uma coisa permanente. Se a gente consegue contaminar dessa forma as pessoas, para que elas se entendam como grandes anfitriões do Rio de Janeiro, acho que nossa cidade só tem a ganhar. Com os Jogos e depois dos Jogos.

A senhora é uma pessoa ligada ao esporte, que gosta de esporte? Tem um prazer pessoal também ao encarar esse desafio?

MSB – Eu sou muito ligada ao esporte. Meu sonho de criança era ser atleta olímpica. Eu acho a ginástica olímpica uma das coisas mais lindas do mundo. A coisa da superação, do corpo que vai ao seu limite, eu gosto demais; é uma coisa que eu assisto em todas as Olimpíadas pela televisão. Nunca tinha tido a oportunidade de ir a uma Olimpíada, foi uma oportunidade inesquecível. Eu andei nas ruas, peguei transporte público, observei bastante, e isso agora vai ser muito útil. Mas eu gosto muito de esportes, é uma das outras razões pelas quais eu aceitei. Eu já pratiquei tênis, vou e volto; eu corro, ando de bicicleta, caminho, faço musculação.

Quais são os projetos que a senhora considera mais expressivos para o legado olímpico do Rio?

MSB – É difícil nomear um, porque já está acontecendo tanta coisa importante. Vou começar com um exemplo que as pessoas não associam tanto às Olimpíadas: a universalização do ensino de inglês nas escolas municipais. Estamos falando de uma população de mais de 100 mil alunos, que vão ter ensino de inglês em todas as classes. Até 2014 isso já vai estar acontecendo, e é um projeto de mudança de qualidade de vida. Você está falando de inclusão no mercado de trabalho. As Olimpíadas dão um sentido de urgência, eu acho que isso é o diferencial que nós temos hoje. Nós temos um fato motivador, é aquilo que eu falei antes do divisor de águas. Olimpíadas trazem a necessidade, trazem a urgência. Outro projeto crucial para a cidade e que está junto com as Olimpíadas é o Morar Carioca. É um programa de urbanização das favelas cariocas ate 2020, ultrapassa as Olimpíadas. Ele tem que acontecer? Eu, como cidadã carioca, acho que temos que fazer ontem. E ele está acontecendo e é fundamental para o projeto olímpico. E tem os BRTs, que são um grande projeto de infraestrutura urbana. São quatro grandes linhas, Transoeste, Transcarioca, Transolímpica e Transbrasil, que vão integrar a cidade toda em um modal de transportes muito mais eficiente. Vão integrar e se integrar com trem, metrô e com ciclovias também. Nós vamos mudar a qualidade de vida de toda a população, que vai poder ter um transporte público de qualidade e vai gastar muito menos do seu tempo em deslocamentos.

A senhora também cita o Porto.

MSB – Para mim, há 30 anos o Rio demanda esse projeto, que é o Porto Maravilha e que terá o Porto Olímpico dentro. Mais até que um projeto imobiliário, de turismo, é um projeto de regularização fundiária daquela área, como eu mencionei antes. Eu diria assim: o Rio está se passando a limpo. É nossa grande oportunidade, e nós estamos trabalhando para isso. O mais difícil é essa superposição de administrações. Tem coisas que estão sob o nosso comando e outras que nós dependemos de negociações, principalmente com o governo federal. Mas existe, claro, uma vontade maior do país em relação às Olimpíadas e em relação ao Rio de Janeiro. Vale lembrar que o prefeito demandou e mudou o projeto original das Olimpíadas, trazendo a Vila de Mídia da Barra para o Centro. Eu torci muito para que ele conseguisse, e nessa época eu nem sonhava em participar das Olimpíadas. Acho que foi fundamental para completar esse processo de revitalização. Quando a gente vai a outras cidades que tiveram essas áreas revitalizadas, a gente vê a vida que existe ali. A vida turística, a vida noturna; estamos falando de novo de hotéis, restaurantes, bares… Então, acho que aquilo ali vai ser uma coisa fantástica. O que a gente já vê. Eu fui visitar as obras junto com o presidente da CDURP, o Jorge Arraes, que me mostrou o que está sendo feito, eu fiquei muito impressionada com a dimensão do projeto, porque como ele é um pouco fragmentado a gente não tem a visão do todo, e com a qualidade do que está sendo feito. É excepcional.



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