Por: O Globo
A multidão de fiéis que passou pelo Rio de Janeiro durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) parecia, a princípio, heterogênea e indecifrável. Mas só a princípio. O peregrino que esteve na cidade era, em sua maioria, mulher, nascida em São Paulo, com idade entre 21 e 24 anos e aluna do ensino superior. Além disso, nunca havia estado no Rio. Durante o evento, desembolsou uma média diária de R$ 49,70 — e isso, somado aos gastos dos estrangeiros, resultou em um impacto econômico na cidade 17 vezes maior do que a Copa das Confederações, realizada em junho.Foram estas as conclusões de pesquisa feita por cinco professores e 20 alunos da Faculdade de Turismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com a Secretaria estadual de Turismo, entre os dias 23 e 25 deste mês, com os peregrinos que circularam por Copacabana e Quinta da Boa Vista. A pesquisa ouviu 1.358 fiéis e conseguiu, além de descobrir o perfil do peregrino, calcular o volume de recursos injetado na cidade.
— Foi um total de R$ 1,8 bilhão — revela, sem negar a surpresa, o professor Osiris Marques, logo depois de tabular os dados recolhidos pela equipe. — Comparado à Copa das Confederações, que trouxe ao Rio R$ 105 milhões no mês passado, a JMJ foi bem mais poderosa. Dezessete vezes maior.
Os peregrinos que vieram do exterior tiveram despesas de R$ 81,30 por dia:
— Os estrangeiros gastaram quase o dobro, porque o turista internacional costuma viajar com mais dinheiro e está mais disposto a gastar— diz Marques.
Na Copa das Confederações, os turistas gastaram mais, em média R$ 209,9 por dia, no caso dos brasileiros; ou R$ 230,60, no caso dos estrangeiros. Porém, o impacto econômico da Jornada foi maior devido ao gigantismo do evento: 1,3 milhão de turistas, contra 37 mil que vieram ao Rio na Copa das Confederações. Além disso, segundo Marques, os peregrinos passaram dez dias na cidade, o dobro da permanência dos turistas da Copa das Confederações. Alguns fiéis chegaram a ficar mais de 15 dias no Rio.
A pesquisa, concluída na sexta-feira, constatou ainda que 62% dos peregrinos eram brasileiros. Dos que vivem no Brasil, 18% vieram do estado de São Paulo. Em segundo lugar no ranking apareceram os mineiros, com 8% de participação, e, em terceiro, os cearenses, com 7% de presença.
Venda de pastéis para pagar a viagem
No que diz respeito ao gênero, as mulheres foram maioria, com 56% do total. No quesito idade, ficou evidente que o objetivo da Jornada foi atingido em cheio: 64,8% dos participantes tinham entre 16 e 24 anos, sendo que a faixa etária de 21 a 24 anos respondeu por quase um quarto do total de fiéis.
Paulista de Presidente Prudente e com 22 anos, Ana Paula Damasceno é um exemplo do perfil típico do peregrino. Ela passou os sábados e os domingos dos últimos meses vendendo pizzas, pastéis e rifas na porta de sua igreja. Com o montante arrecadado após cada missa, conseguiu pagar a viagem de 40 jovens. Todos eles a acompanharam na Jornada.
— Eu estou hospedada numa casa de família no Méier que também recebe outras seis meninas. Todas de São Paulo. Pegamos um trem e dois ônibus todos os dias para chegar a Copacabana, mas estamos adorando — conta ela. — Viemos à Jornada para conhecer o Papa Francisco e também para encontrar pessoas de outras culturas, de outros países, que acreditam no nosso Deus. É algo muito forte o que está acontecendo aqui.
Motivo: ver o Papa
O carisma do Papa Francisco — o primeiro jesuíta e o primeiro latino-americano a ocupar o cargo — aparece na pesquisa. Entre os peregrinos brasileiros, 23,3% responderam que ele, e exclusivamente ele, era a razão da viagem à cidade. Entre os estrangeiros, o índice foi ainda maior, com 35,5% do peregrinos afirmando que haviam cruzado as fronteiras de seus países para ver Francisco.
— O turismo religioso no Brasil sempre foi muito pontual. Costuma acontecer em Aparecida (SP) e em Belém do Pará, durante o Círio de Nazaré — comenta o professor Marques. — Na equipe, estamos impressionados com a força do evento e com o poder que ele terá para preencher as lacunas que normalmente são deixadas no setor por conta da sazonalidade do turismo. Trata-se de um evento muito forte.
Entre os fiéis brasileiros, 68% nunca havia estado no Rio antes. Entre os estrangeiros, 87% visitaram a cidade pela primeira vez na semana passada. A escolaridade entre os peregrinos católicos revelou-se alta. De acordo com a pesquisa, quase 40% daqueles que transitaram pelo Rio de Janeiro na última semana têm graduação, e 34%, ensino médio completos.
Estudante de matemática da Universidade de Franca, a paulista Fernanda Taveira, de 23 anos, nunca havia estado no Rio. Em 2005, quando tinha apenas 15 anos, juntou dinheiro e cruzou o Atlântico para ir à Jornada Mundial da Juventude em Colônia, na Alemanha. E, segundo ela, não perderia a edição brasileira por nada nesse mundo.
— Para pagar a inscrição (que custou R$ 575), vendi mais de 700 pingentes de colar feitos pelo meu namorado, que é ourives — conta ela, mostrando o símbolo da Jornada esculpido em ouro e prata. — Cada um custava R$ 30 e, com o dinheiro que juntei, consegui pagar a inscrição e a viagem de quase dez pessoas.
Fernanda e o namorado, o ourives Eduardo Abdalla, estão hospedados numa escola pública em Engenho da Rainha, na Zona Norte do Rio. Apesar da distância de Copacabana e do tumulto que encontraram no sistema de transporte, o casal sorri. Está feliz por ter a chance de estar perto do Papa Francisco.
Júlia Ribeiro veio da capital paulista. Aluna do curso de economia da Universidade de São Paulo (USP), hospedou-se num galpão no Cais do Porto junto com outras 700 pessoas.
— Sou batizada, crismada, estudei em colégio católico até a 8ª série e vou à missa todos os domingos — conta.
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