Apesar de supostos projetos de incentivo realizados pela Prefeitura, que prometem garantir mais atratividade para construções habitacionais na Zona Portuária do Rio, o número de empreendimentos comerciais já se mostra claramente esmagador em comparação ao número de residências que serão construídas. De acordo com documento do Porto Maravilha, apenas sete “lotes” estão destinados à construção de novos complexos residenciais em toda a região do Porto. Em comparação, o número de terrenos onde serão construídos edifícios e conglomerados comerciais ou institucionais já supera 20, mais que o triplo. Além disso, a área destinada para esse tipo de edificação é visivelmente superior. Quanto às edificações de uso cultural, apenas o Museu do Amanhã, além do Museu de Arte do Rio - já funcionando - está previsto para ser inaugurado na região.
Os outros trechos grifados em vermelho no documento, destinados ao uso residencial, são reformas que serão realizadas pela Secretaria Municipal de Habitação (SMH). O mesmo se dá com as edificações voltadas para utilização cultural. Os espaços grifados em verde também se resumem a restaurações. De todos os novos empreendimentos voltados para o setor residencial, apenas um foi comprado por imobiliária. As seis novas construções também são da SMH, parte para a realocação dos moradores desapropriados para a realização das obras. Isso apenas ressalta o pouco compromisso com a população, que continuará sem atrativos para frequentar a região Portuária.
Na gestão imobiliária da região, a Prefeitura faz uso dos Cepac (Certificados de Potencial Adicional de Construção) na região portuária, que são títulos usados para financiar Operações Urbanas Consorciadas, ações de recuperação de áreas degradadas nas cidades. Os Cepacs são um instrumento de captação de recursos dos imóveis que utilizam o potencial adicional de construção, isto é, que construam andares além da área original concedida em determinado terreno. Para a construção de imóveis residenciais, são necessários menos Cepacs, ou seja, seu custo é menor.
Em visita aos túneis do Porto Maravilha aberta à imprensa realizada nesta sexta-feira (25), o presidente da concessionária Porto Novo, responsável pela realização das obras e pela gestão da região portuária nos próximos 15 anos, José Renato Pontes respondeu não acreditar que os empreendimentos que serão construídos na área serão majoritariamente comerciais ou institucionais.
“Não será pelo seguinte motivo: se só houvesse empreendimentos comerciais, a equação não ia bater, não sobrariam Cepacs. O prefeito lançou uma lei complementar para incentivar a compra de imóveis na região”, afirmou o presidente da concessionária Porto Novo.
Trump Towers - mega torres que serão construídas na Zona da Leopoldina |
O presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (CREA-RJ), Agostinho Guerreiro, critica a postura da Prefeitura e não acredita em uma verdadeira revitalização que desconsidera a construção de moradias. “Não é o ideal porque quando se falou em revitalização, a ideia é revitalizar o porto e com isso, incluir a população. Qual o conceito de revitalização? É não ter uma cidade morta em nenhum momento do dia. E o que acontece com a cidade do Rio na parte da noite é que uma grande parte da cidade é morta, exatamente pela prioridade que foi se dando à parte de edificações institucionais, voltadas para serviços e comércio. São atividades que transcorrem fundamentalmente durante o dia”, explica Agostinho.
O deputado estadual Luiz Paulo do PSDB concorda com o presidente do CREA, apontando que o foco tem sido a construção de edifícios comerciais e que esse movimento vai afastar, ao invés de atrair, o restante da população. “A questão das construções do projeto imobiliário do Porto está débil no sentido de importar moradias. É um projeto frágil no tocante de implantação de projetos residenciais, mas forte em empreendimentos comerciais. O que está faltando naquele projeto é habitação. Se você andar na rua à noite em local só com empreendimento comercial vai ver que é uma área deserta, de passeios estreitos, o que não é convidativo para a frequência popular. A única forma de humanizar aquilo é com políticas habitacionais”, explica.
O engenheiro Agostinho Guerreiro ainda comenta sobre o modelo de gestão urbana adotado em outras grandes cidades, que incentivaram a união entre complexos comerciais e residenciais. “As grandes metrópoles do mundo, quando fizeram projeto de revitalização, trataram exatamente de mesclar áreas mortas, por esse tipo de situação, com habitação. Mesmo em áreas que já eram destinadas a instituições, eles incluíram edifícios habitacionais. E nos próprios edifícios institucionais foram mesclados andares voltados para o trabalho [comercial e de serviço], com residências. Isso proporciona um bairro com vida 24 h por dia. Com esse projeto, vamos ficar com a região do porto sem ser revitalizada e o Centro permanece esvaziado”, alerta.
Os impactos no trânsito também são debatidos. Apesar da melhoria de mobilidade, que também tem sido questionada, os especialistas comentam que unir muitos complexos empresariais na região trará consequências negativas no tráfego do local, que ficará mais intenso. “Empreendimentos são fortes geradores de tráfego e se continuar nessa ‘batida’, estará incentivando a saturação do entorno, com uma via binária de duas faixas, com passeio estreitíssimo e rampas descendentes”, explica Luiz Paulo.
Os moradores da região reclamam que o governo impôs um projeto de edificação na região portuária, sem incluir um debate com a população. Um morador, que não quis ser identificado, critica, junto com os demais moradores, a postura da Prefeitura. “Não conversaram [a Prefeitura] nada, não falaram nada com ninguém, simplesmente avisaram que vai ser prédio comercial e ponto. Está todo mundo reclamando, queremos chamar o Prefeito pra abordar a situação e ver se conseguimos conversar sobre o assunto”, reprova.
A presidente da Associação dos Moradores do Morro da Conceição, Márcia Regina, afirma que nenhum tipo de investimento foi realizado na localidade e que a chegada de empreendimentos comerciais tem sido intensa. “Aqui no Morro da Conceição nada foi feito, a Prefeitura deixou muito a desejar aqui. Fizeram uma obra ‘para gringo ver’, abriram a rua toda porque iam fazer fiação subterrânea e a obra não foi finalizada. Tem uns postes aqui no meio da calçada, e as pessoas são obrigadas a andar no meio da rua. Tem dez dias que uma criança foi atropelada”, reclama Márcia.
A moradora ainda reclama do processo de desapropriação realizado no local, que retirou alguns dos moradores antigos para criação de estabelecimentos de comércio. Segundo Márcia, nenhum dos moradores retirados recebeu qualquer tipo de indenização ou realocação. Denúncias como essa já haviam sido feitas por outros moradores. A ação do governo municipal, que desapropriou mais de cem mil pessoas, teria violado o direito à posse, feito propostas inadequadas de reassentamento e/ou de indenização, ignorado realização de aviso prévio adequado, e ainda feito intimidação e ameaças.
No mês passado, a Prefeitura criou um projeto de lei que promete estimular a construção de imóveis residenciais na região portuária do Rio. A prefeitura pretende incentivar a construção de imóveis residenciais na região que compreende os bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo.
De acordo com o prefeito Eduardo Paes, o objetivo seria garantir a permanência dos moradores atuais da área e incentivar a vinda de novos residentes. A prefeitura anunciou a construção de, pelo menos, 2.200 imóveis do programa Minha casa Minha Vida.
O prefeito também afirmou que metade da área do Porto estaria voltada para construção de habitações. Apesar disso, os trechos edificáveis da região já estão sendo direcionados para abrigar salas comerciais, empresas e instituições, e a tendência parece se manter. Com isso, moradores e especialistas seguem com motivos para reclamar, questionar e colocar em dúvida a real revitalização do entorno da Zona Portuária.
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