A beleza das ruas incluídas na primeira etapa do projeto de urbanização do Porto Maravilha está, literalmente, por um fio. Ou melhor, por emaranhados de fios, que se estendem ao longo de quarteirões, para o espanto de quem desvia o olhar em direção aos charmosos sobrados do conjunto arquitetônico. Inauguradas pela prefeitura, com alarde e pompa, em 1º de julho passado, as intervenções focaram na urbanização de 24 vias importantes da região, como a Rua Sacadura Cabral e as avenidas Venezuela e Barão de Tefé. Mas, a obra foi entregue sem um detalhe óbvio: a substituição da rede aérea (energia, telefonia, internet, TV a cabo) pela subterrânea, na contramão dos projetos urbanísticos executados em metrópoles mundo afora, como Cidade do Cabo, Barcelona, Buenos Aires...
Dentro da região da Zona Portuária beneficiada pelas obras, que custaram R$ 139 milhões, basta uma curta caminhada no coração do Porto Maravilha para perceber que velhos postes ainda sustentam quilômetros de fios, que continuam poluindo visualmente as fachadas. A urbanização das 24 vias, porém, prometia redimensionamento e troca de redes de esgoto, água pluvial, água potável, telecomunicações e iluminação.
— Foi um serviço porco. Quebraram as calçadas e não tiraram a fiação velha. Não sei se foi incompetência ou esperteza porque, no futuro, será preciso quebrar tudo de novo. E aí, mais dinheiro público sendo gasto no mesmo lugar — protesta Maria do Carmo Pereira, moradora da região.
Ela cita como o trecho mais crítico a Rua Sacadura Cabral, dona de esplêndidos sobrados, alguns transformados em bares de sucesso entre cariocas e turistas. Embora as calçadas estejam recuperadas, a quantidade de fios pendurados chama a atenção. Nas ruas Edgar Gordilho, Argemiro Bulcão, Coelho e Castro e Aníbal Falcão também há fios aéreos.
Não apenas pela questão estética, mas também pela segurança, os projetos de urbanização devem incluir a troca da rede aérea pela subterrânea, afirma o engenheiro eletricista Luiz Antonio Cosenza, coordenador da Comissão de Análise e Prevenções de Acidentes (Capa) do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio (Crea-RJ). Segundo ele, a rede embutida representa segurança em todos os sentidos:
— Ela é mais cara, mas o custo-benefício compensa. Deixam de existir riscos de interrupção de fornecimento de energia porque um galho caiu sobre a fiação ou um carro derrubou um poste. Ou de alguém morrer porque sofreu a descarga de um fio caído. Nas grandes metrópoles, a tendência é se embutir a fiação porque ela limpa a paisagem e libera as calçadas aos pedestres, com a retirada dos postes.
O arquiteto e historiador Nireu Cavalcanti faz coro. Ele considera incompatível um projeto de urbanização sem rede subterrânea:
— Sem citar a segurança, a rede subterrânea beneficia a arborização, pois as árvores não precisam sofrer podas radicais por conta dos fios.
Governo e Light: divergências
Em nota, a Secretaria municipal de Obras (SMO) disse que as obras no Porto incluíram rede subterrânea, mas que coube à prefeitura apenas a obra civil. E responsabiliza a Light pela presença dos fios, sem citar as operadoras de telefonia e TV a cabo: “Seguindo o projeto da Light, a SMO providenciou, durante as obras, a instalação de caixas e redes de dutos sob os passeios. Câmaras subterrâneas (vaults) foram instaladas para permitir a conversão pela concessionária, sem danos ao pavimento ou retrabalho da prefeitura. É de responsabilidade da Light a execução da conversão de rede aérea para subterrânea. A concessionária esclarece que já está executando o serviço”.
A Light dá versão diferente. Segundo ela, a fiação não foi embutida por falta de ramais subterrâneos interligando a rede principal aos clientes (imóveis). Acrescenta que, embora esteja trabalhando na área, ainda não há fiação subterrânea. A SMO não quis comentar a declaração sobre a falta de ramais subterrâneos.
Já a operadora Oi diz que “executa um projeto de remanejamento da rede, para embutir o cabeamento, que está em fase bastante avançada.” Segundo a empresa, o trabalho está previsto para o fim de fevereiro, mas não estipula prazo para o remanejamento.
O futuro pode ser quebra-quebra, a julgar pelos últimos meses: poucos dias após a inauguração das obras de revitalização, a Light esburacava as calçadas da Avenida Venezuela, sob o pretexto de consertar um cabo danificado. A SMO, na época, suspendeu as licenças para obras realizadas pela Light na Zona Portuária.
Mas a própria prefeitura, em novembro, quebrou as novas calçadas para “ampliar a capacidade de redes de esgoto, drenagem e telecomunicações”.
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