O prefeito Eduardo Paes encaminhará amanhã à Câmara dos Vereadores um projeto de lei que muda parâmetros ambientais e urbanísticos na Barra a fim de viabilizar a construção do campo de golfe dos Jogos Olímpicos de 2016. O novo pacote olímpico transforma em não edificáveis todos os lotes da Área de Preservação Ambiental (APA) de Marapendi voltados para a Praia da Reserva. Hoje de propriedade particular, eles seriam transformados num grande parque público à beira-mar. Em troca, um trecho de 58 mil metros quadrados de terreno às margens da Avenida das Américas que são considerados intocáveis por estarem em Zona de Conservação da Vida Silvestre (ZCVS) para protegerem a fauna e flora da região seriam liberados para o campo de golfe de dimensões olímpicas.
Foto: Genilson Araújo / Agência O Globo |
"A APA perderá uma pequena parte de sua área. Mas, em compensação, o projeto de lei vai garantir a preservação de um espaço bem maior. Haverá a proteção permanente do trecho da Praia da Reserva que será incorporado ao Parque de Marapendi. E o potencial construtivo dos terrenos serão transferidos para outras áreas da Barra e do Recreio", justificou Paes.
Apesar de a área de ZCVS ser apenas 6% do total do campo de golfe, a proposta promete causar polêmica entre ambientalistas, por falta de estudos prévios, mesmo com a compensação proposta por Paes. O campo de golfe se estenderá por uma área de um milhão de metros quadrados, também na APA de Marapendi, às margens da Avenida das Américas. O prefeito não informou qual o tamanho da nova área que será declarada como Zona de Conservação da Vida Silvestre, alegando que a proposta será apresentada primeiro aos vereadores, numa reunião na próxima segunda-feira.
Vereadores sem alternativa
O projeto chega ao Legislativo sem que haja um plano B para o campo de golfe. Antes de bater o martelo pela área na APA de Marapendi, o Comitê Rio 2016 vistoriou o Gávea Golf Club e o Itanhangá Golf Club, concluindo que nenhum dos dois tinham instalações de nível olímpico e que seria caro e difícil realizar as adaptações necessárias. Além disso, desde anteontem — o prazo esgotava-se em 31 de outubro — não é mais possível propor ao Comitê Olímpico Internacional (COI) mudanças no projeto do Rio para abrigar os Jogos.
Apesar disso, tanto o Comitê Rio 2016 quanto a prefeitura estavam cientes das limitações ambientais da área há pelo menos oito meses. A previsão de uso do trecho de ZCVS consta do projeto do escritório americano Hanse Golf Course Design, escolhido num concurso internacional cujo resultado foi divulgado em março. Pelo projeto, a área de um milhão de metros quadrados é necessária para o campo sediar uma competição olímpica.
O secretário municipal de Urbanismo, Sérgio Dias, argumentou que o projeto propondo a mudança da lei só não foi enviado antes devido à demora na conclusão das negociações do Comitê Rio 2016 com os empresários que construirão o campo de golfe, numa parceria público-privada (PPP). O acordo só foi selado num café da manhã na última terça-feira, no Palácio da Cidade. À mesa estavam, entre outros, Paes; o presidente do Comitê Rio 2016, Carlos Arthur Nuzman; o empresário Pasquale Mauro (dono da área do campo de golfe); e Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central que lidera os empresários interessados em executar o projeto.
"Não podíamos propor mudanças na legislação sem confirmar que a área seria usada. A solução é a melhor. Se não fosse a PPP, o campo teria que ser construído com recursos públicos. A iniciativa privada vai aplicar R$ 60 milhões, em lugar do poder público", disse Dias.
Empreendimento já previa campo de golfe
As Olimpíadas vão viabilizar um empreendimento que vinha sendo anunciado há anos. Pasquale Mauro já havia licenciado na prefeitura o projeto de um campo de golfe de menor porte, privado, logo após o lançamento do condomínio Riserva Uno. Na campanha de lançamento ele era anunciado no site como tendo “vista para o futuro maior campo de golfe do Brasil”.
Pelo acordo, o grupo Rio Mar, de Pasquale Mauro, poderá erguer até 22 blocos de apartamentos com 22 andares e área total construída de 600 mil metros quadrados. Pelas regras que valiam desde 2003, os empresários até poderiam construir 22 andares e um total de 40 blocos, mas as unidades seriam de menor valor de mercado.
Sérgio Dias argumenta que, quando a APA de Marapendi foi criada, por decreto, em 1991, a área foi declarada ZCVS de forma equivocada.
"Ela estava degradada muitos anos antes. Inicialmente foi devastada para a extração de areia, usada como matéria-prima na construção dos condomínios mais antigos da Barra. Depois, foi sede de uma fábrica de pré-moldados para a construção de Cieps", disse.
Para o diretor de Meio Ambiente da Câmara Comunitária da Barra, David Zee, a área citada por Dias realmente está degrada. Ele, no entanto, ressalva:
"Isso não é justificativa para retirar a proteção. Seria necessário um esforço de recuperação das áreas de manguezal. Isso valorizaria o próprio campo de golfe e ajudaria a preservar o resto do parque."
O ambientalista Rogério Rocco avalia que a a prefeitura deveria realizar estudos aprofundados sobre a região antes de propor qualquer mudança . Sem isso, segundo ele, não há garantias de que o impacto ambiental será de fato compensado por preservar uma área maior.
Na Câmara, a oposição já critica a iniciativa. Andrea Gouvêa Vieira (PSDB) observou que área que Paes propõe incorporar à APA de Marapendi na Praia da Reserva já conta com uma legislação bastante restritiva, o que, por si só, há mais de 20 anos inviabiliza empreendimentos, garantindo a preservação.
"As Olimpíadas viraram desculpa para tudo. O que se quer é mudar a cidade sem muita discussão. É uma contradição querer mudar a legislação ambiental e, ao mesmo, tempo vender a ideia de que se pretende promover olimpíada sustentável."
Legislação da área já sofreu alterações
Caso a proposta do prefeito para a APA de Marapendi seja aprovada, não seria a primeira alteração na legislação da área. Em 2005, em votação relâmpago, a Câmara dos Vereadores aprovou, num projeto criado pelas comissões da casa, a retirada, da APA de Marapendi, de um terreno vizinho ao condomínio Alfa Barra. A prefeitura chegou a questionar a constitucionalidade da lei, mas perdeu. Nas mudanças, também foi autorizado que se passasse a construir o dobro do que era permitido na APA de Marapendi. Em parte desse terreno está sendo erguido hoje um resort da rede Hyatt. Anexo ao hotel, estão projetados dois edifícios residenciais com suítes voltadas para a praia e a Lagoa de Marapendi.
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